Na primeira semana de seu governo, uma das primeiras propostas tributárias do presidente Jair Bolsonaro foi o aumento da alíquota do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), junto da diminuição da alíquota máxima do Imposto de Renda Pessoa Física (IRPF). Este aumento, que o presidente afirmou ter assinado, gerou dúvidas, porém horas depois a informação foi desmentida pelo secretário especial da Receita, Marcos Cintra, e, em seguida, pelo ministro-chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni.
A medida não saiu do papel, mas a maneira como ela poderia ter ocorrido gerou dúvidas no mercado financeiro. O presidente pode aumentar e diminuir impostos como o IOF via decreto? As normas brasileiras permitem que o tributo mude da noite para o dia, ou a medida precisaria passar pelo Poder Legislativo?
Para as duas perguntas, a resposta é sim: o Poder Executivo pode, por meio de decreto, aumentar a alíquota de impostos que tratem de produção, operações financeiras, importação, exportação e transações com ouro, quando este for considerado um ativo. Esta é uma faculdade prevista no § 1º do artigo 153 da Constituição, que retira a necessidade de espera de 90 dias para que a mudança tenha efeitos – a chamada “anterioridade nonagesimal”.
Para outros impostos e tributos federais incidentes sobre renda e proventos – como, por exemplo, o Imposto de Renda Pessoa Jurídica (IRPJ), a Contribuição Social sobre Lucro Líquido (CSLL), o PIS e a Cofins – ou sobre a propriedade rural, como no caso do Imposto Territorial Rural (ITR), a alteração deve vir por meio de lei ordinária, aprovada no Congresso Nacional.
Outra dúvida levantada por juristas é relativa à motivação do aumento do IOF: para recompor o déficit dos cofres públicos a medida é valida, ou, para tal, seria necessária a aprovação do Legislativo? No caso específico do Imposto sobre Operações Financeiras, a Lei nº 8.984/1994, que regulamenta o assunto, permite correções “tendo em vista os objetivos das políticas monetária e fiscal” – o que poderia excluir alterações para recomposição do caixa da União.
Neste caso, de acordo com tributaristas ouvidos pelo JOTA, a resposta também se mantém positiva.
“Pode mudar e vigorar já a partir de agora? Resposta é sim, Bolsonaro pode”, afirmou o sócio do Mattos Filho, Roberto Quiroga. O tributarista aponta, porém, que a proposta de alteração da alíquota do IOF não foi específica – já que o imposto tem divisões internas. Atualmente, os fatos geradores do IOF são: operações de câmbio; crédito; compra e venda de títulos mobiliários e pagamentos de seguros – cada um com uma alíquota distinta.
Quiroga especula algumas das hipóteses de alteração mais prováveis. “Se ele tributasse o IOF-Crédito, seria uma atitude inconsequente. Se ele aumenta a tributação do crédito, com a inflação baixa como está, pode gerar uma recessão maior, já que as pessoas teriam mais dificuldades em contrair empréstimos.”
O advogado, que tem experiência com o setor financeiro, também analisou conjunturas para outras vertentes do IOF. “Ele pode aumentar o IOF-Câmbio, afetando pessoas que vão viajar ao exterior e que precisam eventualmente de dinheiro, ou empréstimos internacionais. Ele pode aumentar o IOF de seguros, que hoje é de 7% sobre planos de saúde e seguros de carro. Ou o IOF sobre ações, o ‘IOF de bolsa’, mas também não parece razoável isso. Só resta dizer que é o IOF-câmbio, por hipótese”.
O sócio do Braga&Moreno Advogados, César Moreno, tem o mesmo entendimento. “Não há nada na legislação que o impeça de aumentar a carga tributária, ainda que seja uma finalidade de pura e simplesmente domar o mercado”, apontou o advogado, que relembrou um fato histórico: Quando a Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF) foi extinta, em 2007, os 0,38% que compunham o antigo tributo foram rapidamente repassados ao IOF, cuja alíquota passou de 6% para 6,38%.
Segundo os dados mais recentes da Receita Federal, referentes a dezembro de 2018, o IOF representou cerca de R$ 35 bi das arrecadações tributárias anuais, dentro de um total de R$ 1,305 trilhão. O IOF representou uma parcela de 2,68%, ou 5,5 vezes menos que o arrecadado de IRPJ e CSLL. “Para um déficit de R$ 150 bilhões, não faz cócegas”, pontuou Quiroga. “Não parece ser a solução”.
Além do IOF, impostos podem ser aumentados assim?
O IOF é um dos quatro impostos federais sobre os quais o presidente da República tem autoridade para efetuar alterações: o artigo 153 da Constituição define que o Imposto sobre importação (II), o Imposto sobre Exportação (IE), o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), além do cobrado sobre as operações financeiras (que engloba operação com ouro), são independentes de lei.
Mas há uma característica econômica comum a estes impostos, lembrada pelos advogados: tais tributos buscam regular atividades específicas do mercado. Ao contrário dos recolhimentos sobre consumo e renda – que raramente afetam a demanda – aumentar estes tipos tributários traria impacto direto na diminuição da atividade.
“Quando você aumenta o IOF, você não tem certeza de arrecadação” explicou Quiroga. Segundo o advogado, isso acontece porque o aumento desta classe de impostos serviria não para elevar a arrecadação, mas para desestimular a atividade.
Ele exemplificou: “se estivéssemos com uma inflação super alta, o presidente poderia aumentar o IOF para as pessoas não gastarem. O imposto não é usado para arrecadar, mas para deixar de arrecadar”.
Um exemplo prático deste efeito ocorreu em dezembro de 2013, quando o então ministro da Fazenda, Guido Mantega, aumentou o IOF-câmbio, que tem como fato gerador os pagamentos de crédito e débito e saques com moeda estrangeira no exterior. A razão seria justamente o desestímulo ao consumo em viagens internacionais, o que gerava menor movimentação no mercado interno.
“A princípio [a alteração] é um contrassenso”, complementou Moreno. Se a ideia é fazer com que a economia volte a funcionar, não faz sentido você aumentar a carga tributária, que traz impactos e encarece a produção de um modo geral.”
Fonte: jota.info